segunda-feira, 24 de março de 2014

A vizinha de Olívia. Parte 1.

Eu tenho ouvido com certa frequência o novo álbum da Sophie Ellis-Bextor e tem sido uma viagem inspiradora atrás da outra. Há várias músicas que me fazem viajar em histórias. Hoje, ouvindo uma delas, fiquei extremamente inspirada a escrever esse conto. Deve sair em duas partes, terminei o primeiro e pretendo fazer o outro (o que eu acho mais interessante) em pouco tempo.

Apreciem a história de Olívia e se quiserem, ouçam a música que me inspirou a escrever (pode conter spoilers, mas nada que comprometa).


Detalhe: pessoas, meu único revisor foi o word, então se encontrarem erros, me avisem para eu pdoer corrigir antes de postar nos sites.

Parte 1.



Eu tinha só uns dez anos quando minha mãe e meu pai nos fizeram mudar a todos para a rua da cidade velha. O que eu sabia sobre aquele bairro era que tinha pouca luz de noite, quase nenhuma criança, ficava não muito longe do cemitério, quase todos os vizinhos eram idosos, assim como as casas. Ruas de paralelepípedos, praças desertas e arvores velhas, silêncio.

O motivo da mudança era simples, meu pai, Oscar, tinha perdido o emprego e não podia mais pagar a casa no condomínio em que nasci. Sendo assim, acabou vendendo a parte que já tinha pagado e comprado um casebre de portas de madeira pintada de azul descascada, um só banheiro, três quartos mal iluminados e telhado que rangia na ventania. O plano era conseguir outro emprego e ir reformando até ficar 'novinha'.
Enquanto ele procurava, fazia uns bicos, conhecia os outros pais (e montão de avôs do bairro) e conseguia alguma coisa pra poder pagar parte das contas. Mamãe, uma senhora baixinha e corpulenta chamada Rebeca, colocou a placa de costura do lado de fora do muro e previsivelmente conseguiu um número irrisório de clientes (afinal, um bairro cheio de velhinhas costuma ter um bocado de costureira), ainda assim deu pra segurar pelo tempo que a gente se estabelecia.

A nova casa velha da gente tinha sido de uma família formada por um casal de meia idade (seja lá o que isso significasse) e dois cachorros. Quando papai teve que procurar algo era a única que ele podia pagar sem adquirir outra dívida. O casal tinha se mudado repentinamente, deixando um monte de móveis velhos que a gente acabou doando para algum lugar ainda mais pobre que a casa. Só ficou um espelho enorme no fim do corredor (que a mamãe usava para mostrar o caimento das roupas para suas escassas clientes) e um baú, sem chave, pesadíssimo que resolveram deixar no quarto das crianças como apoio para os brinquedos (não conseguimos arrombar, mas pelo que eu sei podia ter um tesouro lá dentro, ou um corpo).

Durante as manhãs eu e meu irmão menor íamos pra escola que não ficava muito longe. Era velha e cheia de crianças estranhas, mas ele logo fez um monte de amigos (como toda criança de 7 anos há de fazer). Eu, por outro lado, não fui muito bem sucedida em me socializar. Era um belo saco. Dispensável dizer que como não havia quase ninguém da minha idade no bairro eu passava a parte da tarde no tédio infinito.

Mamãe costurou algumas bonecas para mim e eu costumava brincar de ir pra pracinha jogar elas para cima, penduradas numa sacola para saber se elas caíam como paraquedistas. Também me juntava ao meu irmão e um molequinho ainda mais jovem da rua de baixo pra jogar bola, empinar pipa ou fazer seja lá o que eles estivessem fazendo pra me livrar do tédio.

A pracinha circular parecia abrigar as casas mais antigas do bairro. Tinha três bancos velhos, uma árvore imensa e retorcida bem no meio, uma pequena e velha biblioteca que estava fechada (mas ainda cheia de livros lá dentro, pelo que vi pela janela). Meu pai disse que estava fechada porque a bibliotecária, uma 'jovem e sonhadora senhorita' nas palavras dele, tinha desparecido dois anos atrás e ninguém sabia o que tinha acontecido de verdade, gerando um monte de boatos. O nome dela era Sofia, eu dei esse nome para uma das minhas bonecas que tinha vestido mais formal e sério.

Atrás da biblioteca ficava a casa mais esquisita. Nunca ninguém saía nem entrava de lá, pelo menos nas horas que eu tinha permissão para ficar na rua. A fachada era cinza com as marcas de sol e chuva estragando a pintura que poderia ter sido azul vivo algum dia. As plantas do jardim eram só ervas daninhas, algumas partes tão altas como o meio muro. Pelo portão eu via o caminho e a porta, com vidros sujos, por dentro uma cortina. O garotinho parceiro de brincadeiras do meu irmão nos disse que lá vivia uma bruxa que comia as pessoas.

"Bobagens, Olívia." Minha mãe me respondeu uma vez no jantar de sopa insossa e pão. "Não acredite em tudo que os amigos do Daniel dizem, são só crianças. E não vá incomodar a senhora Linn."
Uns meses depois da nossa mudança, eu conheci a irmã mais velha do amiguinho do Daniel. Ela tinha uns 15 anos, mas parecia que tinha 30. Vivia falando no celular e nunca brincava na rua. Nesse dia, porém, ela resolveu ficar com a gente na pracinha. Eu estava tentando fazer a Sofia ficar de pé num galho da árvore, mas as pernas molengas de pano dela não eram muito boas para isso. Daniel e o molequinho estavam correndo com o pretexto de alguma brincadeira idiota e a Melissa estava fazendo a cara de nojo que só uma adolescente é capaz de fazer na presença de crianças.

"Sabia que na casa atrás da biblioteca mora uma bruxa?" Ela soltou de repente. Virei com a cara mais cética que eu tinha, lembrando das palavras da mamãe.

"Isso nem existe!" Zombei, provavelmente ela só queria me assustar para passar o tempo.

"Você pode acreditar ou não, mas não chegue perto do portão dela." Ela vai te chamar para dentro e você vai sumir para sempre porque ela vai te comer!"

É claro que eu não acreditava que a velhinha era canibal, apesar da casa assustadora e tudo mais.
Eu ignorei o aviso dela, e continuei a brincar com a Sofia. Os garotos começaram a jogar futebol, sandálias demarcando os gols. Melissa se cansou de querer me assustar e começou a mexer em alguma coisa no celular dela.

Um grito me tirou da brincadeira. O irmãozinho da menina, João ou José, sei lá o nome dele, tava com as mãos na cabeça como quem lamenta uma mancada. Em frente a ele, o Daniel tinha uma cara de bravo, olhando para a assustadora casa da senhora Linn. Melissa segurou a risada.

"Você chutou minha bola pro jardim da bruxa!" Daniel gritou indignado. Se minha mãe ouvisse ele, ficaria uma fera com a falta de respeito.

"Foi sem querer! Eu juro!!!" O João respondeu com cara de desculpas.

"Acho que seu irmãozinho perdeu a bola..." Melissa comentou com um sorriso besta naquela cara espinhenta.

O Daniel tava fazendo a maior cara de choro agora. Acho que a bola ele tinha acabado de ganhar e com a pindaíba que a gente estava vivendo, duvido que nosso pai daria outra pra ele tão cedo. Era capaz dele ficar de castigo.

"Larga de ser besta, Daniel, vamos lá buscar." Eu falei pra ele não chorar. Era um saco quando ele começava.

"Mas vocês não podem ir lá." O garoto idiota (que era assim que eu pensava sobre ele agora) lamentou.

"Eu devia fazer era você ir lá, seu idiota!" Eu gritei pra ele, a irmã espinhenta puxou ele pelo braço e respondeu.

"Nem a pau, a gente vai é pra casa!" Ela começou a puxar o menino pro outro lado, e a gente ficou ali, olhando um pro outro.

Cá entre nós, meu irmão não é a pessoa mais legal do mundo. Ele é um besta, na verdade. Ele sempre ganha tudo no choro e eu sempre tenho que esperar que mamãe e papai resolvam me recompensar pelas coisas boas. Talvez tenha sido isso que me fez decidir ir buscar a bola dele. Se ele ficasse chorando, aposto que dariam outra bola pra ele antes de me dar o livro que eu tinha pedido há meses.

"Vamos lá, vamos buscar a bola." Começamos a andar na direção da casa. A tarde já estava querendo ir embora, deixando a casa ainda mais sombria. Apertei a mão do Daniel com a mão direita e a Sofia na mão esquerda.

"Não quero ir lá." Ele parou de repente. Eu tive que fazer uma expressão de total desprezo que talvez a idade estivesse desenvolvendo na pré-adolescência.

"Então fica aí, seu medroso. Mas eu espero que a senhora Linn não devolva sua bola por você ser tão covarde." Eu soltei a mão dele e andei os últimos 6 metros até o portão.

Não havia nada trancando de fato o portão, de forma que era bem possível entrar, pegar a maldita bola e sair. Só que quando eu abri o portão, ele rangeu pela rua inteira. Olhei pros lados e entrei no caminho do jardim que levava até a porta, procurando pela bola.

Ela estava numa moita do que parecia ser um arbusto ornamental, mas que sem poda nem cuidados estava estranho e disforme.

Pisei no mato que tinha tomado lugar da grama e fui em direção ao arbusto. O silêncio na rua era assustador, mesmo praquele bairro. Agarrei a bola e comecei a voltar para o portão. Foi aí que eu ouvi a porta abrir e uma voz velha e estridente falar.

"Quem é que está no meu jardim?" A senhora Linn não conseguia escapar de quase nenhum clichê da terceira idade. Ela tinha cabelos grisalhos, ralos, presos num coque com um pente de velho. O vestido era de estampa floral de fundo verde, os olhos miúdos e meio acinzentados, o que me fazia acreditar que ela não enxergava muito bem. Andava devagar e com dificuldade, se eu quisesse só sair correndo pra casa, aquele seria o momento. Mas eu tinha a dignidade de uma criança sem amigos e sem dinheiro, mas com orgulho e educação. Virei o corpo completamente, bola embaixo de um braço, Sofia na mão.

"Boa tarde, senhora Linn. Meu nome é Olívia, sou uma vizinha da rua de baixo." Eu comecei a dizer, ia explicar o que tinha acontecido e não haveria problema, certo?

"O que está fazendo aí fora, mocinha? Entre para um chá e uma fotografia!" Ela sorriu. O sorriso dela me levou a sentir um arrepio bem na nuca. Não que eu acreditasse que ela era uma bruxa ou coisa assim (isso nem existe), mas eu ainda fiquei com medo. Virei para olhar o Daniel que estava negando com a cabeça e quase chorando. Ele merecia um susto. Joguei a bola para ele e levantei uma sobrancelha, olhei de volta para a senhora Linn e fui na direção dela. Ouvi os passos do Daniel, fugindo. Maldito covarde.

Subi os dois degraus que davam na varanda e fiquei do lado da velhinha que colocou as mãos nas minhas costas e me conduziu pra dentro. E por dentro, a casa era muito diferente do que eu jamais poderia imaginar.

Continua.

2 comentários:

Angel ♥ disse...

Eita to curiosa agora, quero saber saber o que tem na casa aimodeuso!
Curti, me prendeu bastante!
Ajudando já que você falou:
No décimo segundo parágrafo o nome da boneca ta Sophie. Era pra ser Sofia em português né?
"Eu ignorei o aviso dela, e continuei a brincar com a Sophie."

Laís ♥ disse...

uuuuuuui mistério!
aposto que a velhinha era mo legal xD

ou ela queria uma aprendiz MUAHAHAHHA xD